Se você gosta de fortes emoções, deve realmente acompanhar o mercado de bebidas. Uma comprovação da frase anterior foi o recente anúncio do aumento de tributos das bebidas frias – cervejas, refrigerantes, refrescos e energéticos. Para entender, vamos relembrar um pouco o caso.
No dia 1º de abril entrou em vigor um aumento de tributos para o setor, resultado de uma série de negociações com a indústria. No dia 30 de abril, foi estabelecido um novo acréscimo, que seria incorporado a partir de 1º de junho. Num primeiro momento a previsão foi de um impacto de 1,3% no preço final. Depois, seria superior a 2%. No dia 13 de maio o aumento foi adiado e deve acontecer a partir de setembro, de maneira escalonada. Parece um roteiro de suspense com direito a muitas emoções. A certeza que temos é de que os próximos capítulos devem ainda ser eletrizantes.
O que levou o Governo Federal a rever sua posição? Eu diria que o motor da revisão foi o bom senso. As razões técnicas claras e as suposições – aumentar a arrecadação para suprir o setor elétrico – não podem ser tratadas sem levar em conta a questão da legitimidade das categorias envolvidas. Duas delas em especial: refrigerantes e cervejas. Os refrigerantes são uma conquista de consumo da Camada C. Sou do tempo em que refrigerante era bebida para o almoço de domingo. Hoje, o setor se incorporou ao dia a dia. Ele chama atenção mas não promove a “gritaria” por parte dos consumidores, pois está presente na mesa familiar e nos copos das crianças. Com a cerveja a conversa muda. A cerveja está incorporada ao vocabulário, na convivência, e é uma conquista dos jovens e adultos. Você encontra um amigo e marca de tomar uma cerveja. Pensa em festa e diz que tem que ter cerveja. Ninguém dispensa a “cervejinha” depois do trabalho numa sexta-feira. A cerveja tem um peso cultural e taxá-la com o risco de aumentar o preço provoca reações imediatas, e as vezes coléricas, por parte dos consumidores.
Incorpore a esta discussão promover o aumento doze dias antes da Copa do Mundo. Não é segredo que a Copa vem sendo questionada. Completar este fato marinando o debate em cerveja com preços maiores seria uma combinação com sabor de perda para todos. Os consumidores teriam no binômio cerveja e futebol uma ressaca na carteira. Não pelo valor absoluto, mas pela sensação de que estão sendo prejudicados. Os bares e restaurantes também. Numa divulgação recente eles falaram em uma possibilidade de demissão de 200 mil trabalhadores. Não sei se o número é real ou foi uma arma de pressão. O que eu sei é que com a redução de consumo de cerveja nos bares há imediata redução de alimentos. Ou você tem o hábito de tomar refrigerante com uma bela porção de calabresa acebolada? As perdas são grandes.
A Copa do Mundo pode ser um mês de verão no inverno. Pode representar um aumento de consumo e utilizar este pico sazonal para gerar arrecadação é um contrassenso. Pois, além da bronca dos consumidores, existe vida após a Copa. Passado o pico a tendência seria o produto ter uma queda de consumo muito grande e uma perda de arrecadação maior ainda.
Aparentemente até setembro o problema está resolvido. Mas é preciso avançar. O segmento de bebidas está presente na microeconomia de maneira muito importante. Existem cerca de 1,5 milhão de pontos de venda em que cervejas e refrigerantes são encontrados. Existem famílias que dependem disso. Existem botecos montados em palafitas, bares em favelas, garagens que atendem na periferia. Fechar os olhos para isso imaginando que os maiores prejudicados são os engarrafadores é um erro. Se o setor é indutor de empregos e renda, a conversa deve ser outra. Aumentar impostos é a face fácil da moeda. Mas no momento em que precisamos de vigor no mercado interno é preferível exigir dos setores que garantam investimentos, empregos, que contribuam mais para a geração de renda ativando o consumo. É preciso rever o modelo tributário. Mais gente frequentando os pontos de venda significará uma arrecadação maior ainda do que o aumento dos tributos da cerveja. Porque, no fim das contas, aquela calabresa acebolada também paga impostos. E se rolar uma porção de polenta frita ou um frango a passarinho, melhor ainda.