No começo da semana, contamos aqui a história da cachaça. Agora falaremos de uma etapa essencial para aproveitar bem a mais brasileira das bebidas: a degustação. Por definição, degustar, além de “experimentar para saber o sabor ou a qualidade”, também significa “apreciar com prazer”, “deliciar o paladar”, “deliciar-se pelo gosto”. A degustação da cachaça abrange os três significados.
A taça
A primeira coisa que deve ser providenciada é um recipiente adequado para a prova. No caso, uma taça específica para cachaça. Há quem acredite que o copo ideal para a pinga seja o “martelinho”, o mais encontrado em botecos e até mesmo em cachaçarias. Especialistas, entretanto, defendem o uso da taça porque ela permite uma melhor observação da cor, oleosidade, limpidez, brilho e a formação das lágrimas da bebida.
O cálice tem 13 cm de altura, capacidade para 140 ml, uma base arredondada e é mais fechado na borda. A haste alongada não deixa o calor da mão interferir no sabor da bebida. O ângulo estreito ajuda a concentração do feixe dos aromas característicos da bebida. No martelinho, por exemplo, a borda é mais espessa e reta, o aroma tende a se espalhar e o buquê se perde.
O teste da garrafa
Antes de sentar-se à mesa e servir uma taça, atente para a garrafa. A primeira recomendação é olhar o rótulo e ver se a cachaça está de acordo com as normas legais. Basta checar o registro do Ministério da Agricultura. Coloque a garrafa contra a luz e observe o líquido. Ele não pode conter partículas ou estar turvo. Chacoalhe a garrafa levemente para fazer o “teste do rosário”: a espuma que aparece na superfície deve desaparecer em, no máximo, 20 segundos. Se permanecer por mais tempo que isso, pode significar que ela possui algum tipo de produto para lhe conferir cor (no caso das cachaças envelhecidas).
Escolha um local bem iluminado e limpo. Uma mesa com toalha branca e uma folha de papel sulfite ou cartolina branca (contra o qual se colocará a taça) são recomendados. Lugares com partículas de poeira no ar também devem ser evitados.
Análise visual
Sirva a bebida até a metade da taça, pegue-a pela haste e agite-a levemente. Pelas paredes escorrerão as “lágrimas”. Elas devem correr lentamente, o que significa que o processo de feitura foi puro. Se elas descerem muito rápido, isso quer dizer que há mais água do que o aceitável. Se descerem muito devagar, significa que pode haver algum tipo de infusão.
Análise olfativa
Para esta etapa é interessante que não haja odores fortes no ambiente. Aproxime a taça cerca de três ou quatro centímetros do nariz e sinta o cheiro da bebida. O aroma não pode ser agressivo e não deve arder no nariz ou nos olhos. Há três aromas a serem sentidos – o primário, o secundário e o terciário. A respeito, veja o que o especialista Marcelo Câmara escreveu no livro “Cachaça – Prazer Brasileiro”: “Os aromas básicos, primários da cachaça, estão na pinga nova e menos na pinga envelhecida, e dizem respeito a valores rústicos, como cana, engenho, bagaço de cana, fermentação, caldo de cana, melado, rapadura, açúcar. Os aromas secundários e terciários estarão na pinga envelhecida, identificados como madeira, raízes, frutos, legumes, verduras, terra, caminhos, mata, brisa. Em ambos os casos, juntam-se valores e visões subjetivas do degustador, da sua infância e juventude, experiências, etc”.
Análise retro olfativa
É uma etapa em que se usa a boca, a garganta e o nariz. Para verificar este critério, inspire preenchendo parcialmente os pulmões com ar, ponha a cachaça na boca e a sinta, engula e, só então, expire lentamente. A cachaça não deve descer queimando, mas sim de forma suave, agradável. Uma cachaça que arde é a que passou do ponto correto de acidez.
O resto do ritual
Saber degustar uma cachaça não significa que você precise se comportar com uma espécie de técnico chato. A ideia é tirar o máximo de proveito do momento. Uma taça deve ser consumida em cerca de 30 minutos. Beba água entre os goles e petisque tira-gostos, como linguicinhas e torresmos. E não esqueça de chamar os amigos, claro.