Apaixone-se por alguém com quem você goste de conversar. Esta deve ser uma máxima seguida mesmo nos tempos modernos onde a rapidez das relações é mais veloz do que tomar uma long neck na praia. No Líquido e Certo sempre falamos que cerveja embala boas conversas. Mas é preciso mais do que o conteúdo alcoólico. Ter mais conteúdo é uma possibilidade que surge quando unimos livros e lúpulo.
Neste Dia dos Namorados, por exemplo, sugerimos que a efeméride tenha duas comemorações em datas distintas. Uma no tradicional 12 de junho e outra quatro dias depois. Dia 16 de junho é, agora, nosso dia dos namorados alternativo.
Cerveja e literatura combinam muito além dos livros técnicos ou que falam de variedades do líquido. Existem deliciosas histórias para você saber e compartilhar. A começar por um clássico da literatura francesa. Arthur Rimbaud embala até hoje o sonho de quem gostaria de rimar palavras e aventuras. Nascido em 1854 viveu apenas 37 anos. Tempo suficiente para viajar pela África, Europa e escrever seu clássico Uma Temporada no Inferno. E é neste livro que se encontra uma linha de confluência com a cerveja. O título em francês, Une Saison en Enfer, foi corretamente traduzido com as palavras temporada ou estadia. No entanto o poeta português Mário Cesariny, o maior representante do surrealismo naquele país, impôs um novo título e uma nova versão. Sua tradução foi Uma Cerveja no Inferno. Cesariny observou que saison era uma cerveja belga consumida na época. Não consegui descobrir se ele se referia a uma marca específica ou ao estilo. Mas para ele Rimbaud havia descido ao inferno, tomado uma cerveja e retornado.
Já para os casais mais ácidos nada melhor do que lembrar Charles Bukowski. Nascido na Alemanha em 1920, filho de um soldado americano e de uma jovem germânica, viveu sua intensa vida nos Estados Unidos até 1994 quando morreu. Sua vida mereceu filmes, biografias e rendeu mais de 45 livros publicados. Ben Gazarra interpretou Bukowski em Crônicas de um Amor Louco que tinha no elenco a belíssima Ornella Muti. O escritor foi uma das figuras mais mais controversas, amado e odiado com a mesma intensidade. Muitas vezes confundido com a geração beat, Bukowski tinha um humor ácido entalhado com estiletes e canivetes em bares, romances, poesias e…cerveja.
Escrevendo de maneira quase que autobiográfica seus poemas tendem a representar a trajetória de um homem cruzando a América com a faca nos dentes e disposto a retirar as vísceras do senso comum e dotado de imensa consciência. Certa vez ele disse que “apesar de todas as loucuras que fiz, era perfeitamente normal: escolhi fazer as coisas, não foram elas que me escolheram.” Um exemplo do estilo de Bukowski pode ser encontrado neste trecho do poema Cerveja, do livro O Amor é um Cão dos Diabos.
…
cerveja…
rios e mares de cerveja…
cerveja cerveja cerveja
a rádio toca canções de amor…
enquanto o telefone permanece mudo
e as paredes seguem
parada e estáticas
e a cerveja é tudo que há.
Se você quer mergulhar no universo de Bukowski prepare algumas garrafas. Ou melhor: muitas garrafas. E boa leitura.
Mas finalmente porque 16 de junho é nossa sugestão de Dia dos Namorados Alternativo? É que neste dia é comemorado o Bloomsday. Leopold Bloom é o personagem central de Ulisses, romance espetacular do escritor irlandês James Joyce. Ulisses está entre os livros mais citados e, provavelmente, menos lidos. Tem um certo grau de complexidade e cerca de mil páginas. Escrito entre os anos de 1914 e 1921, enquanto Joyce mudava de cidades devido a guerra, Ulisses relata 16 horas na vida de Bloom durante um 16 de junho de 1904. O impacto do romance na literatura foi tão grande que foi instituído este dia para comemorar a obra e homenagear Joyce. Em todo mundo acontecem eventos. Muitos deles em pubs quando trechos de Ulisses e outros livros são lidos e muita cerveja é bebida para dar fôlego às palavras.
Mas isso só bastaria para a proposta de termos um dia dos namorados alternativo? O motivo vem agora. James Joyce escolheu esta data para ser retratada no livro porque foi num 16 de junho que ele teve um momento de, digamos, namoro muito mais intenso e apaixonado com Nora Barnacle, uma jovem que veio a ser sua esposa. Em homenagem ao dia em que eles avançaram alguns metros contra a pudica sociedade irlandesa Leopold Bloom ganhou espaço para ser imortalizado como um dos personagens mais lembrados da literatura mundial. 16 de junho é, portanto, a data que Joyce e Nora avançaram contra o puritanismo e que marcou o escritor a ponto de manter o dia em seu livro. Uma data que merece leituras e cerveja. Mas preferencialmente com alguém que, com você, possa fazer jus a Joyce.
Existem outros livros e autores com mais histórias que certamente servem para embalar noites de conversa, cerveja e romance. E se você não tem ninguém para estas noites tenha certeza de que com bons livros, uma boa cerveja as boas companhias surgirão.