“É preciso estar sempre embriagado. Para não sentirem o fardo incrível do tempo, que verga e inclina para a terra, é preciso que se embriaguem sem descanso. Com quê? Com vinho, poesia, ou virtude, a escolher. Mas embriaguem-se.”
Numa interpretação e percepção bem livres é com estas palavras que se inicia o poema em prosa Enivrez-vous do poeta, filósofo (o grifo é meu) e crítico de arte francês Charles Baudelaire.
Declarado amante do vinho, Baudelaire podia ser encontrado nos enfumaçados bares de Paris bebendo uma explosiva mistura de absinto e láudano. Um dos seus parceiros mais assíduos: o escritor Oscar Wilde.
Charles-Pierre Baudelaire nasceu filho de família abastada em Paris, no dia 9 de abril de 1821.
Muito jovem, manda a “educação formal” às favas e é expulso do colégio. Começou a beber neste período e quando seu pai o envia para a Índia, como uma espécie de castigo, ele foge do navio e vai viver na boemia.
Período onde se envolve com a atriz Marie Daubrun, a cortesã Apollonie Sabatier e com a atriz Jeanne Duval, uma mulata a quem dedicou o ciclo de poemas “Vênus Negra”.
Deixa obras importantes como “As Flores do Mal”, “Pequenos Poemas em Prosa”, o ensaio “O Princípio Poético” e “Os Paraísos Artificiais”.
Forte dualidade marca a vida e obra de Charles Baudelaire. A frase que abre seu poema mais conhecido: “É preciso estar sempre embriagado” parece remeter a uma citação que ele dizia com frequência: “A vida podia ser absolutamente bela e absolutamente horrorosa”. Fato que alguns críticos avaliavam como sendo a mescla do “negativo e positivo em sua pura contradição”. E completavam: “Baudelaire não se satisfaz com as sínteses que visam eliminar ou minimizar um dos lados da vida”
Neste post não vou ficar apenas com as opiniões de críticos do passado.
Para tanto, convidei a filósofa, especializada em literatura e arte-educação, Roberta Browne, para ampliar as nossas portas da percepção sobre vida e obra de Charles Baudelaire.
Vamos curtir sua “apetitosa, instigante e provocativa” apreciação.
“Por muitos conhecido como O poeta da modernidade. Para outros o seu grande crítico. Para mim, nem um nem outro. Sou a favor da junção. Baudelaire, o poeta-crítico.
Ele é um em vários. Possui mais recordações que há mil anos. É um cemitério odiado pela lua. Rico, porém incapaz. Um moço que já se encontra idoso. Assim ele se descreve, assim ele vai mudando de opinião, assim o tédio vai tomando conta. Para Baudelaire a experiência não é tudo, é preciso entendê-la. É preciso transformá-la em conhecimento. Em um mundo no qual apenas existe a aparência sensível das coisas, no qual o a priori não passa de uma doce ilusão, se eu não reflito, se não escrevo, eu me perco. “O Tempo é sempre um jogador atento/Que ganha, sem furtar, cada jogada! É a lei”. E a experiência esvai-se pelos meus dedos.
O que vês ao andar na rua? Que situações lhe chamam a atenção? Para onde você olha? Baudelaire não escolhe, não necessariamente, as coisas lhe acontecem. Paris se abre para ele. Torres e chaminés. Um doce “poente azul”. A beleza na pobreza. “O curso de água,/Espelho pobre e triste onde já resplendeu”. Paris muda constantemente, a cidade formiga ferrenhamente. E Baudelaire permanece o mesmo. Melancólico. Cheio de lembranças, lembranças estas “mais pesadas que socos”.
Quem vem a ser Baudelaire? De difícil definição, e por vezes desnecessária. Muda dependendo de quem olha, para onde se olha, porque se olha. Para mim, Baudelaire é aquele que diz “É preciso estar-se, sempre, bêbado (…) De vinho, de poesia ou de virtude”. A escolha é minha. Contanto que sóbria eu não fique. Sóbria eu não quero ficar. Este é o meu Baudelaire!” (Roberta Browne).
Para finalizar a participação do poeta Charles Baudelaire em nosso panteão de grandes bebedores, vou somar uma de suas frases mais conhecidas:
“O homem que só bebe água tem algum segredo que pretende ocultar dos seus semelhantes.”