No livro “Boêmios e Bebidas”, de Paulo Pinho – Rio de Janeiro: Casa da Palavra – 2000, 204p (praticamente esgotado em livrarias – muito oferecido pelos melhores sebos do Brasil), o autor relata como eram algumas festas na Hollywood dos anos de ouro.
Ele escreve: “Hollywood era uma grande festa do copo. Bebia-se industrialmente. John Wayne, W.C. Fields, Errol Flynn, Frank Sinatra, Ava Gardner, Humprey Bogart, Judy Garland, Bing Crosby, William Holden, Peter Lorre, David Niven, Lee J. Cobb e Robert Mitchum. Essa turma bebeu o equivalente a inúmeras piscinas olímpicas.”
Muitos destes astros e estrelas inesquecíveis fazem parte do nosso panteão de Grandes Bebedores. Faltam alguns. Quem pede passagem e ganha o seu espaço é o grande Robert Mitchum.
Ele é um dos meus atores prediletos. Claro que não é um grande intérprete como Lawrence Olivier. Mas tinha um charme inigualável, uma sensualidade que mesclava o noir e o cativante, uma cara de menino mau, um ar de “não estou nem aí”, uma evidente aversão a autoridade e comandos mais rígidos.
Nasceu Robert Charles Durman Mitchum, em 6 de agosto de 1917, em Bridgeport, Connecticut, EUA. Faleceu ou apenas mudou de estúdio em 1 de julho de 1997, com quase 80 anos e 130 filmes no currículo.
Nos primeiros 14 anos de vida aprontou bastante. Era um garoto brincalhão, sempre envolvido em zoação e muitas brigas. Expulso da escola na adolescência, viajou clandestinamente de trem pelo país. Para sobreviver, fez todos os bicos que você possa imaginar. Um deles: pugilista profissional.
Hollywood entra em sua vida no início de 1940, quando é contratado para fazer alguns papéis de vilão na série de filmes western “Hopalong Cassidy”.
Seu tipão, voz rouca, gesticulação beirando a eterna preguiça, olhos de quem vivia em profunda ressaca foram alguns componentes que lhe renderam vários papéis em filmes da RKO, onde criou fama de anti-herói. Boquirroto, Mitchum não resistia a uma boa piada e comentava que em todos os filmes noir que fez usava os mesmos diálogos e o mesmo terno.
Foi o grande diretor Howard Hawks (A Beira do Abismo, 1946; Rio Bravo, 1959; Hatari, 1662; El Dorado, 1966), com Robert Mitchum e John Wayne que, neste filme, desvendou parte da verdadeira personalidade do nosso Grande Bebedor.
Explicando. A fama de beberrão e briguento de Robert Mitchum fez Howard Hawks, um diretor talentoso mas extremamente sério e comprometido, matutar muito para contratar o ator. Ficou de olho nele, claro!
Nas primeiras tomadas, a surpresa: Mitchum se entregava totalmente ao personagem e era extremamente criativo. Terminado o filme, o diretor chamou nosso homenageado num papo olho no olho e disparou: “Você é uma fraude. A maior fraude que já encontrei na minha vida”. Mitchum perguntou o motivo da bronca. Não era uma bronca. A resposta foi: “ Você cria esse ar de quem não está nem aí para nada, mas se aplica totalmente ao trabalho. É um dos atores mais dedicados que conheço”. Sem perder o pique da eterna malandragem, Mitchum pediu: “Mas não conta isso para ninguém…”.
Bebidas, brigas e prisões não impediram que Robert Mitchum se consagrasse como um dos grandes atores do cinema. Em mais de uma centena de trabalhou passeou por vários gêneros. Meus preferidos são: “Operação Yakuza” (The Yakuza, 1975), dirigido por Sydney Pollack; ”A Ira de Deus” (The Wrath of God, 1972), de Ralph Nelson; “Círculo do Medo” ( Cape Fear, 1962), de J. Lee Thompson – que seria refilmado em 1991 por Martin Scorsese, com Mitchum fazendo uma ponta; e o inesquecível, atual, seu melhor trabalho: “O Mensageiro do Diabo” (The Night of the Hunter, 1955), único filme dirigido por Charles Laughton.
José Edward Janczukowicz